terça-feira, dezembro 12, 2006

Espelho Meu

À pergunta “o que quero?” parece seguir-se inevitavelmente “o que mereço?”.
Não porque tenha optado por uma estratégia mais passiva ou contemplativa em que aguardo serenamente o que o destino me reserva (seja o que for), mas porque em determinado momento dou conta que as minhas opções (o que quero) nem sempre parecem estar à altura daquilo que verdadeiramente posso aspirar (o que mereço).
Ou porque simplesmente vou tomando consciência de que “ainda não é isto que quero”, que é uma atitude bem mais afirmativa do que aquela que não deixa de ter um tom resignado: “mereço mais que isto”.
Existe no entanto em mim uma teimosia quase absurda, que insiste em procurar aquilo que em algum momento me prendeu, mesmo que tenha sido uma ilusão ou uma projecção das minhas próprias fantasias. E que curiosamente também funciona em sentido oposto, pois se não desisto de procurar o melhor do outro. No momento em que o pior se torna evidente e irrefutável, a mesma teimosia me impede de relativizar e insiste com a interpelação: “é isto que mereço?”

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Algo que já me deixou apreensivo, agora muito menos. Ao reler este teu texto que me fez pensar sobre o assunto, foi a minha sempre adoração pela relação difícil, mesmo muito difícil, assim como, só para dar um exemplo: houve uma vez que fui apanhado a conduzir com excesso de álcool e tive de ir a julgamento. Depois de uma noite mal dormida no Governo Civil e transportado até ao tribunal… lá me apareceu o respectivo advogado nomeado pelo Estado, um jovem, e pronto, lá fui a julgamento. ahahaha
O Juiz, era uma Juíza. Aquelas formalidades do costume, levante-se o réu; como se chama, que idade tem, o que faz, onde vive e lá fui respondendo. Ressacado, cheio de sono, sem nenhum espírito para aquilo, melhor, com o pior espírito, porque como é natural ninguém está bem numa situação daquelas.
A determinada ocasião olhei e vi que atrás daquela toga negra estava uma mulher muito linda e atraente. Sensual e uma força surgiu, que veio não sei de que sítio da minha alma. Acordei, coloquei o lado sedutor, e a conversa mudou de tom. Foi uma vibração completamente fora do normal, ela depressa se apercebeu dos meus propósitos, e ainda melhor, ela foi atrás, deixou-se seduzir e também ela me seduziu, em determinada altura do julgamento, porque ultrapassámos muito depressa a conversa monossilábica e sem deixarmos a formalidade que a audiência exigia, lá continuámos com as perguntas e respostas, até que ela me indagou, se já tinha antecedentes criminais naquela matéria, em outros tribunais. Foi o que queria ouvir, foi a chave que poderia abrir a porta de mais alguma coisa para além da audiência. Sabíamos ambos o que estava acontecendo, tivemos a consciência dos nossos lugares e deixámo-nos ir num carrossel de emoções, ela, a mulher, olhava-me os olhos querendo comer-me por completo, de mim, sem que nada deixasse de ser natural, lançava o tom de voz característico da presa indefesa, meias palavras que tinham de ser repetidas, estávamos em pleno julgamento, no antigo Tribunal de Polícia, penso que era essa a designação, no cimo do Parque Eduardo VII…
-- Sim, doutora Juíza, já uma vez fui julgado por conduzir embriagado, sim doutora Juíza.
… e a minha voz mais uma vez cambaleava, seduzido, estava completamente perdido de emoção, doido.
-- Sim senhor! disse ela, exclamando, então encontramo-nos neste mesmo local de hoje a oito dias, o tribunal vai ver esse seu antecedente, para depois podermos aplicar a sanção em absoluta consciência.
Estava mais que visto, eu queria, ela queria, ver-nos novamente, lançamos um leve sorriso, como se tivéssemos ganho uma pequena batalha e lá a Juíza bateu com o martelinho, que até me soou em harmonia e terminou aquela incaracterística audiência.
O jovem advogado comentou logo que teve oportunidade; que nunca tinha visto um julgamento assim, ao que perguntei se tinha sido uma grande bandeira, se ela poderia ser beliscada em alguma coisa, só não a queria prejudicar em nada, estava consciente do que tinha acontecido, foi-me respondido de uma forma descontraída pelo jovem advogado que não, estava tudo normal e o procedimento de procura de antecedentes era normal, e lá foi comentando a minha lata
--O senhor é muito ousado e arrisca, gosta de arriscar.
Ia dizendo o jovem advogado.

Sim, é a inteira verdade sempre fui assim, desde que me conheço, sempre saltei os muros, adoro arriscar, ir mais além, a minha verdadeira meta é o horizonte que nunca alcanço, corro e estou sempre àquela distância, mas não deixo de correr pelo desejo. O amor faz-me correr.

quarta-feira, dezembro 27, 2006 2:58:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home